Quinta-feira, 19 de Maio de 2011

Um empregado de mesa é um monumento nacional, Alexandra Lencastre e Virgílio Castelo

A frase "Um empregado de mesa é um monumento nacional" foi proferida na Terça Feira passada, por Octávio Ferreira, escanção do Gambrinus, durante a 2ª edição do evento Artes da Mesa, um evento que foi o maior do género para profissionais de sala, já realizado em Portugal. Neste certame, também esteve presente Johannes Hartman head sommelier do Petrus, restaurante de Gordon Ramsay, que explicou aos presentes, a filosofia deste grupo de restauração.                                                                                                                                                                                 

 

 

  

 

Adopto a frase como um bocadinho minha e aproveito para contar algumas passagens vividas na restauração, no tempo do boom dos centros comerciais, quando caíam excursões de pessoas à carrada, à pazada e à molhada nas Amoreiras, a obra arquitectónica de Tomás Taveira, que com tanta história, anedotas e suportes audiovisuais que andavam de cópia em cópia até não se ver nada, tornou-se quase uma lenda do seu tempo.

 

Nesse tempo, ainda eu era um profissional dedicado às artes da mesa, o meu background era um curso de bar e mesa de 500 horas, da escola hoteleira de Setúbal. As minhas passagens pela cozinha limitavam-se à criação de sobremesas e pontualmente, quando queria criar novo portfolio ou mudar a ementa, é que cozinhava algumas especialidades da cozinha regional portuguesa para mostrar como se fazia aos profissionais que trabalhavam comigo.

 

A cozinha regional portuguesa, a aprendizagem de 4 anos com o chefe Silva ou a colaboração frequente com Maria de Lurdes Modesto e o seu "tratado" de cozinha, eram toda a base do nosso conceito. Liderava a equipa do restaurante O Português, do qual adquiri uma quota depois da saída do professor Jesualdo Ferreira, um dos sócios deste, com o restaurante O Madeirense, de Manuel Fernandes.

 

Em 7 anos de O Português (estive mais tempo nas Amoreiras, de 1986 a 1998, fundei O Braseiro e dirigi o bar do Bingo da Casa Pia também para o grupo) vivi muitas histórias, trabalhei muitas horas a fio, meses seguidos, sem folgas nem férias, andei de mercado em mercado, de lota em lota, comprei toneladas de vegetais na velha Ribeira, ao Cais do Sodré. O objectivo era fazer chegar à mesa o melhor, crème de la crème, naqueles tempos os clientes pagavam a qualidade bem paga, sem regatear preços. Não me lembro de ninguém dizer que os preços eram altos, apesar de o serem. A nossa clientela era também ela, a "nata"...

 

Um episódio engraçado, aconteceu na altura em que Alexandra Lencastre se casou com Virgílio Castelo, que era visita frequente no restaurante.

Almoçaram bem, receberam o tratamento habitual, simpatia e boa comida, revelei-lhes as minhas capacidades de "monumento nacional" enquanto chefe de mesa. O casal revelava muita cumplicidade e sentia-se a paixão deles no ar. 

Na altura da sobremesa, fui à mesa e tentei vender um doce, queijo ou fruta, no fundo, o habitual, mas o que me pediram foi para os ajudar numa decisão difícil...queriam ir ao cinema, mas não havia consenso quanto ao filme que iam ver. Então deram-me os números de duas salas e eu só tinha que mencionar uma delas. Ganhou o filme da Alexandra, o Virgílio Castelo fingiu-se zangado, disse-me que tinha acabado de perder um cliente habitual e rimos muito. 

 

Sairam com sorrisos rasgados, o que era habitual nos clientes do restaurante, o que muitas vezes me "custava" 20 horas de trabalho por dia, para os manter satisfeitos. Também existe um fenómeno mau, chamado cliente bilioso, mas a seu tempo, farei um post sobre esse case study.

 

Servir sem ser servil, intervir quando solicitado, manter um tom de voz suave, sentirmo-nos confiantes e firmes, saber aconselhar, saber os ingredientes, saber os processos de confecção e last but not least (faltam tantas variáveis no que escrevi atrás) saber qual o vinho com que melhor se pode "harmonizar" o prato ou os pratos que o cliente pede.

 

A circulação rotinada por entre mesas é uma arte, esse espaço é o palco, porque a profissão de empregado de mesa, pode revelar muita classe e fazer jus ao epíteto que exageradamente,mas com muita paixão, Octávio Ferreira proferiu.

 

Servir um vinho com elegância, pegando nos copos como dever ser, aquecer um cálice para aguardente, decantar um vinho, abrir uma garrafa à tenaz, despinhar um linguado ou praticar um serviço à inglesa, indirecto, exige mestria e tudo isso faz parte do show-off.

 

Voltarei, com mais histórias, seguramente. Estou a preparar uma série de artigos e fotos do passado da restauração e da alimentação em Portugal, desde a minha infância, com recurso a uma vasta colecção que tenho, do legado da avó Nita, que recentemente e infelizmente se transferiu para a terra dos sonhadores. Todos os dias, sonhadores morrem, para ver o que há do outro lado.

 

Mas agora apetece-me contar histórias, muitas histórias de alguém que já se sentiu um monumento nacional, enquanto empregado de mesa. 

 

 

Sinceramente Vosso,

 

Joe Best

 

sinto-me:
música: GNR - Nova Gente
publicado por JoeBest às 23:45
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